O vento açoitava as almas, o suor frio gelava os corpos,
espírito e determinação. O medo não possui um rosto, é perversão, se esconde
onde todos veem, se mostra quando ninguém olha, dança no meio da noite, urra de
prazer e exige tributos em sangue. Por três dias e duas noites haviam
resistido, hordas pereceram, milhares caíram, o mais belo sonho transmutado em
pesadelo. O sol lhes confidenciava o futuro, as sombras cada vez mais longas
eram um mau presságio, um sinal de agouro que os mais fortes de coração apenas
fingiam ignorar. Porém, no inferno onde seus pés pisavam coragem não era
mérito. Olhavam para frente, no meio do vale, entre as sombras amorfas, incertas,
quase líquidas, não se podia diferenciar coisa alguma, tão pouco vozes, mas
elas estavam lá, na sombra da montanha que, cada vez mais próxima, cobria de horror
e desolação o campo de batalha. As feras levaram filhos e esposas, irmãos e
avós, amigos e amores, não existia um lar para curar as feridas, não havia para
onde voltar. Nuvens pesadas ocultavam o sol como em uma brincadeira infantil, a
vida e a morte jogando diante de seus olhos, a luz, temida pelas bestas, era
sua proteção, não ousavam atacar enquanto ela brilhasse, todavia a tarde se
esvaía, a escuridão logo lhes faria companhia. Em cada homem o peso da própria
lápide, sem epitáfio, sem lágrimas, presente apenas o pesar e negrume da morte
certa, esperada, para alguns libertadora. Sorrisos eram vistos, os rostos mais
jovens traziam um ou outro, os donos no peito ainda carregavam vãs esperanças
de um futuro, qualquer futuro
Dorian sabia que era sua última batalha, sentia isto em cada
músculo do corpo, olhava para trás e via seus homens, pais de filhos mortos,
maridos de esposas assassinadas. Segurava a espada com toda força que lhe
restava, a lâmina pesava, o cabo escorregava, o suor frio brotava de cada poro,
observava as sombras cada vez mais próximas, o tempo corria centímetro por
centímetro. O sol caia rapidamente, um aroma ferroso empesteava o ar, os homens
recuavam na medida em que o pavor avança em seus corações. A hora se
aproximava, não era tempo de covardia, Dorian urrou com toda a força de seus
pulmões, parecia um animal enlouquecido, ganiu e gritou em direção às sombras,
olhou para os homens, levantou o braço com a espada e, como se tentasse
descobrir se ainda vivia, urrou novamente, olhos arregalados como os de um
louco. Era chegado o momento, poucos metros de luz os separavam das sombras, um
ou outro membro emergia do breu, olhos vermelhos sorriam famintos. Os homens
olharam o céu, algumas estrelas já se mostravam, abaixo dentes amarelados,
garras e o hálito podre prenunciavam o que viria. A lua surgiu ao mesmo tempo
em que o sol se esvaia por detrás dos montes. Por um momento houve medo, horror
e dor, em seguida não.
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