terça-feira, 26 de novembro de 2013

A cor da minha pele.

O ano é 2078, veja bem, 2078. Quando estava na escola estudei sobre o apartheid, sobre o preconceito que algumas pessoas sofriam por causa da cor da pele, que antes disso algumas chegaram a ser feitas de escravas, ter a existência da alma questionada, sua honestidade e integridade. Li algumas piadas da época, todas bem grosseiras, algumas até um pouco engraçadas, mas que fica evidente o tamanho do problema que era viver em uma sociedade que acha que ser diferente é motivo de zombaria constante. Li sobre a resistência de algumas pessoas para que outras tivessem acesso aos bens e meios para conseguir estes mesmos bens, diziam que estavam criando privilégios. Que bobagem.

Lembro-me de tudo isto e fico realmente impressionado que, hoje, séculos depois de tudo isto ter começado a ruir, ainda seja obrigado a andar com Julieta e receber olhares tortos, de desaprovação. “Ela não combina com você, como vão ser seus filhos?”. Os filhos serão meus, deixem que eu me preocupe! “Essa gente não acredita em Deus, não sei nem se entendem o que é Deus, uma vez vi um falando que Nosso Senhor era estranho!”.  Todo o tempo, todo o tempo. Julieta é uma das pessoas mais inteligentes e amáveis que já conheci, fala doze línguas! Algumas nem sabia da existência, outras não consigo nem pronunciar o nome, dá aulas em uma universidade da cidade e uma vez a cada dois anos visita os pais, infelizmente não posso ir, diz ela que a atmosfera do lugar é estranha e eu iria me sentir mal.

Esta semana fomos a um restaurante, comemorávamos dois anos de casamento, um dia feliz, uma noite melhor ainda. Claro, sempre tem um babaca. Na mesa do lado um homem e uma mulher cochichavam alto o suficiente para se fazer ouvir “este tipo de gente deveria ter a entrada proibida, talvez tenham alguma doença, parecem sempre sujos, que nojo”. Não ligo para as pessoas pensaram isto de Julieta, sei que são apenas imbecis que provavelmente não conseguem enxergar além do próprio umbigo, mas é inegável o efeito devastador que tem nela e é o reflexo do ódio que muita gente tem, isto sim é um problema. Pedimos para trocar de lugar, de modo discreto o suficiente para que o casal não tivesse dúvidas do quão asqueroso era, especialmente por Julieta ter dito que eram asquerosos. Na saída tentamos pegar um táxi, era mais de meia noite, apesar de termos acessado o serviço online e confirmado com três motoristas (ao menos) os táxis passavam por nós como se estivessem indo em outra corrida. Acontece. Na quarta tentativa conseguimos, em casa vimos um filme que meu avô adorava, sobre um homem que foi preso e depois liderou seu país rumo à consciência de que somos todos iguais. Infelizmente ele morreu sem ver o preconceito ter fim. Julieta adora este filme, assim como adorava meu avô, que foi nosso cupido.


Passado um mês é tempo de me despedir desta mulher que me faz mais feliz do que imaginei ser possível, ela irá visitar os pais. Passamos o dia juntos, arrumando as malas, embalando presentes (eles adoram doce de leite e paçoca), tiramos uma foto nossa para a irmã dela, já que o marido é doente e nunca pode nos visitar, gravo uma mensagem e anexo na foto, escondi atrás do brinco desta mulher que amo, de longos cabelos vermelhos, pele clara, levemente esverdeada e com estas anteninhas lindas. Ela entra na nave e vai visitar os pais, um dia ainda vou com ela para o sistema solar onde nasceu a mulher de minha vida.