quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A fada Floresta



Floresta era uma pequena fada, daquelas com asas de inseto, pele um pouquinho esverdeada, olhos profundos e negros. Era uma fadinha doce e inocente, muitas vezes um tanto distraída. Floresta era bem bonitinha, usava um vestidinho ousado, diziam as fadas mais velhas, feito de folhas e um cinto de vime, nada nos pés, gostava de sentir o chão úmido e coberto de folhas, claro, nunca ao mesmo tempo, pois Floresta não era muito maior do que a maior parte das folhas, sendo difícil pisar ao mesmo tempo na terra e na vegetação. A fadinha gostava de voar bem alto, acima das copas das árvores e sentir o sol, depois voava por entre os galhos sorrindo, bem quentinha, assobiando e cumprimentando um passarinho aqui e ali. Porém aquilo que Floresta mais gostava era o Vento, seu namorado, podia passar horas voando junto dele, ouvindo seus murmúrios e sussurros. Durante o dia os dois não se separavam, o Vento sempre lhe contando o que acontecia por toda a mata. Não que fosse necessário, a fadinha de tudo sabia, nada do que ali acontecia lhe passava despercebido, ela era Floresta. Durante a noite quando ia dormir procurava uma flor, se cobria com alguma pétala bem macia e sonhava enquanto o Vento lhe acariciava os cabelos verdes escuros. Essa sempre foi a vida da nossa pequena Floresta, de uma flor para a próxima, se esquentando um pouco sob o sol, voando de mãos dadas com o Vento e conversando com os passarinhos.
Um dia, porém, algo aconteceu, Floresta acordou e estranhou alguma coisa, entretanto não sabia bem o quê. Voou até o alto das árvores, faltava alguma coisa, algo que sempre estava presente e que hoje havia sumido. Ela desceu, passou distraída pelos passarinhos e sentou em uma folha bem larga e enrugada. O que estava faltando? Não conseguia lembrar e resolveu ir falar com o... Vento! Onde estava? Desde que acordara não o sentira, nem uma brisa, nada. Não conseguia ouvi-lo, nem seus assobios ao longe, nadinha. Floresta estava preocupada, onde estava seu amado? Às vezes ele ia lá em cima, sobre as árvores e foi para onde a fadinha voou, só que dessa vez se viu sozinha no topo das árvores, o quentinho do sol não lhe aqueceu, sentia um frio estranho e as asinhas cansavam, ela estava pesada, o coração lhe jogava para baixo. Ela desceu, desceu até chegar ao chão úmido ao lado do Riacho, que ao vê-la tão cabisbaixa ficou intrigado.

- Ei, Floresta, o que está acontecendo? Estas sempre passeando, cantando e assobiando, sorrindo e dando cambalhotas, o que está errado?
- Riacho, não consigo encontrar o Vento. Esperei que ele aparecesse, procurei no alto das árvores e embaixo, mas não vi nem ouvi nada.

O pequeno rio ficou encucado e se tivesse uma boca teria mordido o lábio. Sentia muita pena da fadinha e queria ajudá-la, mas tinha medo de fazê-la sofrer contanto o que sabia. Pensou. Pensou mais um pouco e resolveu falar.

- Sabes que começo lá atrás na Montanha, que é muito simpática, apesar da rigidez com que trata os outros, e vou até depois da praia. Acontece que as vezes vejo algumas coisas e acho melhor não falar, só que não posso deixar de te contar isso, ainda mais vendo essas pequenas florezinhas brotando das tuas lágrimas. – disse um contrariado Riacho.
- Sabes de alguma coisa? Viu o Vento em algum lugar?
- Eu sigo o fluxo, sabe? Para mim não existe meio certo ou meio errado, ou sobe ou desce, entende? Não gosto de falar dos outros, mas acho que deverias ir até a praia e procurar lá, quem sabe o encontres.
- Muito obrigada, Riacho! – gritou Floresta, dando um beijo no riozinho e quase se afogando.

E Floresta saiu voando. Voava o mais rápido que podia, desviava de árvores, coelhos e passarinhos, tinha os olhos úmidos e um sorriso no rosto, ia enfim encontrar seu amado Vento. Quase o dia todo sem o ver, estava preocupada e com muitas saudades, subiu até as copas das árvores e deu uma pirueta, voltou ziguezagueando entre galhos e folhas, acelerou mais um pouco e viu o brilho do sol no Mar, continuou mais um pouco e avistou a areia branca. Parou um pouco até se acostumar com a luz, continuou mais devagar até chegar à praia. Não podia sair da mata, então se sentou na pontinha do último fio de grama, ficou lá, ouvindo e observando, procurando pelo Vento, onde ele estava? Só via a areia branca e o Mar, ah, o Mar! Quase nunca o via, o Vento dizia que ele tinha sal e que isso fazia mal para ela. Floresta deu uma risadinha e sentiu o coração ficar mais leve e quente, lembrou como o namorado se preocupava com ela, porém ainda não conseguira encontra-lo. Olhou, olhou e olhou de novo, para todos os lados, colocou a mão atrás das orelhas e tentou ouvir. Até que ouviu.
Era um som alto, na verdade já o estava ouvindo há tempo, lá do meio das árvores. Procurou a fonte do barulho, era o Mar. Percebeu que ele fazia esse barulho quando as ondas quebravam perto da praia, era bonito, um pouco assustador, mas bonito. Ela ficou olhando aquilo, vendo como as gotas de água voavam no ar depois que cada onda quebrava, como flutuavam no... Vento! Floresta olhava sem acreditar, o Mar era gigantesco e até onde conseguia ver haviam pequenas ondas feitas pelo Vento! Ele acariciava o mar, se deitava sobre ele e depois rolavam juntos na praia. Era demais para a fadinha, ela chorava, sentia-se traída, enganada, o coração parecia pesar uma tonelada, não conseguia voar, não conseguia sequer levantar dali e ir embora.  A fadinha chorou copiosamente, chorou como nunca antes havia chorado, chorou de dor e de saudade, chorou sem saber mais do que estava chorando, mas continuou chorando mesmo assim. Floresta chorou até ficar sem lágrimas, chorou até secar e restar apenas galhos retorcidos e areia.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O amor de um homem



- Duas dessas e uma dessa.
- Só tem uma.
- Pode ser... Droga, ela já vai chegar, tenho que comer rápido.
- Dois e sessenta. Para levar?
- Sim, obrigado.
Quando estava com Clarice ele nunca podia sequer passar perto de um boteco desses “Vai comer isso? É só porcaria, faz mal! Não vou te beijar se comer isso, que nojo!”, porém era algo que não podia ser evitado, era mais forte do que Marcelo. Ele sempre, desde criança, na escola, fora da escola, na adolescência, na vida adulta, sempre, sempre mesmo, se existia algo de que ele tinha certeza era isso, coxinha era uma delícia, fosse de terminal de ônibus, com catupiry e salsinha, aquelas que só têm massa e molho de tomate, todas, era um apaixonado. Agarrou alguns guardanapos e sentou. Os preparativos do casamento o estavam cansando, não tinha talento para aquilo, ficou quase uma hora olhando dois vermelhos iguais, mas de nome diferente, para escolher qual seria a cor do detalhe do laço do arranjo da mesa da segunda madrinha da noiva. Fábio, seu amigo e padrinho, ria muito nessas horas. Não ajudava em nada, só estendia o dedo em riste e balançava os ombros no ritmo de uma respiração descontrolada, às vezes sem fôlego tossia uma ou duas vezes, depois zombava do nome da cor do vestido da daminha. A coxinha estava uma delícia, com ketchup e laranjinha melhor ainda, tinha gosto de infância, por mais estranho que seja um adulto dizer isso, ainda bem que não foi em voz alta. É, daminha. Quantas vezes pediu para Clarice dispensar a menina? Oito, nove? Aquela criança lhe dava nos nervos, tinha muitos dentes na boca, o sorriso parecia engolir o mundo. Claro que a noiva não aceitou, disse que a sobrinha era um amor, uma luz na vida dela e da irmã, que seria um momento mágico quando ela e o irmão gêmeo entrassem na igreja. Igreja. Ele era ateu, muito ateu, escrevia em um blog ateu, palestrava sobre ateísmo, Clarice fez crisma, primeira comunhão e estudou em colégio de freiras, o tio é padre, a mãe morou em um convento até os vinte e dois anos. Clarice tinha peitos lindos. O padre não queria lhes casar, disse que Marcelo pregava a palavra do diabo, que ele teria de se converter. Ele continua ateu, o irmão do sogro teve de usar vários contatos.
Último gole de laranjinha, um momento solene. “Não tem nada mais viril do que isso. Se eu fosse dizer para alguém o que é ser homem, diria que é comer uma coxinha e beber uma laranjinha no meio-fio.” Era um pensamento bonito, algo que ele não podia defender na frente das outras pessoas sem aquele sorrisinho no final, aquele que faz os outros pensarem que você não está falando sério, mesmo sendo, muito. Marcelo limpou a boca com um daqueles guardanapos finos e vagabundos, levantou e caminhou até a entrada da Grande Dia, uma das melhores lojas de coisas de casamento da cidade, segundo a sogra. Ele nunca mais foi o mesmo depois de saber que o dono tinha por hobbie desenhar trajes de noiva. Aquilo parecia errado em tantos níveis que Marcelo até hoje fingia não ver o pequeno proprietário, mesmo que o sujeito usasse apenas fraques azuis, lilases e por ai vai. Os últimos dias estavam sendo complicados, muitas escolhas, pouco entendimento do que acontecia ao redor. Sempre que entrava em desespero lembrava-se de Clarice jogando Wii Resort, que visão. Ele sabia que dizer para a noiva que empinar a bunda para ajudar a acertar a bola no golfe era uma mentira, mas ninguém podia condena-lo por isso. Fábio estava lá, enfiado em um terno verde e incomodando a vendedora para conseguir um chapéu da mesma cor, provavelmente tentando parecer o Charada. Uma pena só terem uma coxinha, ainda estava com vontade. O celular estava tocando.
- Oi, linda.
- Amooooor! Estou no apê, entregaram a cama errada, tem que ir na loja reclamar, essa é horrível!
- Vou agora!
- Não, fica ai e resolve o teu terno e do Fábio, ai, já estão enrolando tem três semanas... Tem que ser ele mesmo?
- Tua sobrinha vai ser daminha?
- Ridículo.
- Hate the game, not the player.
- Vou acabar contigo no golfe.
- Haha, tu sempre acaba comigo.
- Hehe, verdade, jogas muito mal, amor, tens que te concentrar mais.
- É...
- Só queria te avisar isso, vou resolver depois. Estou fechando as coisas aqui e te encontro ai em uns quinze minutos.
- Tá.
- Até daqui a pouco, gatão.
Agora eram dez vezes, não ia conseguir se livrar daquela criança. Marcelo estava cansado, sentou em um sofá e ficou olhando para cima. Pensou na vida, na morte, nas prestações da casa, no salário baixo. Quando voltou a si a daminha estava na sua frente, parada, olhos fixos. Sorrindo. De alguma maneira, que a ciência talvez consiga um dia explicar, ela sorriu mais, mostrou mais dentes e saiu correndo com um vestido que só não era mais feio do que o nome da cor.
Ele não entendia como as coisas tinham terminado assim. Sempre se imaginou vivendo a vida ao máximo, festas, mulheres, fazendo só que bem entendesse, sem dar satisfações, sem crianças-demônio, sem dois nomes para o mesmo vermelho. Onde ele tinha errado para que tudo tenha se transformado nessa realidade bizarra? Não podia jogar videogame quando queria, não podia nem comer coxinha! Coxinha! Sentiu um profundo amargor, uma dor que doía de um jeito estranho. Levantou a cabeça e viu Clarice. Ela vinha andando com um sorriso lindo no rosto, estava desarrumada e visivelmente cansada. Era a mulher mais linda do mundo. Ficou em pé, a abraçou e deu um longo beijo. Tinha a vida dos sonhos de qualquer homem.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O pior dos crimes



Errado, imoral, totalmente inaceitável. Por onde passava despertava revolta, gritavam “vergonha”, “grotesco”, “traidor”, ele não ligava, continuava andando com um sorriso de escárnio. A esposa o abandonou, os filhos levados para morar com os avós, vizinhos o amaldiçoavam em voz alta. Entretanto ninguém o tocava, não era permitido, não era prudente. Na porta de sua casa, em grandes letras vermelhas, podia se ler: Assassino.


***
A manhã se anunciava, o sol iluminava o peito branco e musculoso de Péricles enquanto este o amaldiçoava aos berros. Olhou para o lado e empurrou a esposa, foi até as crianças e mandou que levantassem para comer, saiu do lugar que chamava de casa e decidiu andar um pouco. A vida na granja não estava fácil, não tinha emprego, não tinha dinheiro, mas era o marido de uma vagabunda e pai de quatro aberrações que só faziam comer. Odiava. Odiava a família, odiava os amigos, odiava a si, a única coisa que amava era, justamente, odiar tudo isso. Sentia um prazer crescente ao imaginar como causaria sofrimento sem fim em cada uma daquelas criaturas desprezíveis. A falta de respostas o incomodava um pouco. Xingou um vizinho que o cumprimentava e seguiu o caminho, procurando formas de exercer uma vingança contra quem cometera o crime de nascer, ou seja, de lhe perturbar. Irritado chutou o chão, não podia fazer nada, estava pobre como nunca, sem um centavo. Já pensava em voltar para casa quando viu um papel no chão. Curioso pegou e leu. Seus olhos se arregalaram e um sorriso de alegria emergiu, achara uma solução, dinheiro não seria mais problema. Dinheiro? Faria de graça!


***
Olhava o corpo, pegava a faca e passava o fio nas juntas, cortava, desmembrava, tirava a pele. Além de cruel o trabalho era metódico, separava as partes, coxas para um lado, pés para o outro, pescoço, peito, fígado, coração, nada escapava da faca. Péricles tinha um dom, poucos demonstravam tanto prazer em seu ofício, tanta desenvoltura, parecia ter nascido para aquilo e, caso alguém lhe perguntasse, provavelmente concordaria.


***
Segurou bem o papel e voltou correndo para casa, driblou a prole ranhenta, evitou as reclamações do cônjuge colocando a língua para fora. Parou. Olhou tudo aquilo calmamente, demoradamente, sorriu de uma forma tão enlouquecida que mãe e filhos fizeram silêncio, com medo de algo que não sabiam bem o que era. Ele riu, depois riu mais alto, gargalhou e saiu da casa.
Na rua encontrou o vizinho de cima, que queria cobrar uma pequena dívida. Tentou ignora-lo, mas o sujeito se postou a sua frente impedindo a passagem. Péricles o olhava com olhos esbugalhados, vidrados, a respiração era animalesca. Se lhe perguntassem hoje, o vizinho não saberia dizer o motivo pelo qual deu um chute no estômago do dono daqueles olhos esbugalhados, entretanto naquele momento pareceu a coisa certa a fazer. No chão, espumando de raiva, prazer e felicidade, rindo, gritando para tudo e todos, se deixou. Olhou o céu azul, ele iria tingir tudo de vermelho.


***
Quando estava na hora do almoço gostava de ir ajudar no preparo, sua parte favorita era olha-los e dizer que iria ficar tudo bem, mas usando a roupa de trabalho suja de sangue. Depois amarrava os pés e os pendurava em ganchos. Nesta parte sempre tinha de abafar a gargalhada, era quando percebiam o que ia acontecer, porém já era tarde, a cabeça doía por causa do sangue, os pensamentos ficavam lentos, os sons abafados... enxergavam apenas Péricles, rindo e apontando para cada um deles.


***
 Correu até chegar à porta do lugar indicado no panfleto, uma casa de tijolos, pintada algumas décadas atrás com o que parecia ser verde, ou talvez azul. Atravessou a porta e andou pelo corredor, sentia o cheiro de sangue velho, avistou um homem gordo, vestindo calças jeans e camisa xadrez, sentado, largou o papel na mesa e olhou-o fixamente. Havia um corpo e uma faca sobre a mesa. O homem gordo parou o que estava fazendo e o encarou, analisando aquele sujeitinho que entrara em sua sala de cima a baixo, tentava entender. Péricles pegou a faca e esquartejou o corpo, separou os órgãos, tudo com enorme rapidez e alegria.
O homem atrás da mesa disse "Sabe, isso ai não parece certo...", sem ao menos terminar a frase, um par de olhos lhe encarava com um fogo como nunca havia visto. O dono da faca e do corpo ficou admirado, deixou suas desconfianças de lado.


***
Esta era a hora que ele menos gostava, o fim do turno, o momento de ir embora. Tirou a roupa, limpou e guardou as facas, seguiu em direção à saída. Olhou para o chão árido que se estendia até a casa onde, há pouco tempo, morava com uma família de vergonhosos desperdícios. Sentiu uma pequena tristeza, entretanto sabia que amanhã tudo recomeçaria, o sangue, a dor, o ódio no olhar de cada um, pois sabiam que quando menos esperassem poderia ser um deles. Não pode evitar a gargalhada. Ao passar pela porta do frigorífico ajeitou as penas do peito e a crista, ele realmente amava aquele trabalho.

sábado, 8 de setembro de 2012

O dia em que tudo quase mudou



Seis horas e seis minutos. Descontados seis minutos de tolerância. Eficiência e retidão sempre foram importantes para Cássio. Desligou o computador, cobriu mouse, teclado e monitor com protetores, fechou as gavetas, uma, duas voltas na chave. Levantou. Sem olhar estendeu a mão para a direita, agarrou a alça da pasta e com um movimento limpo colocou-a sobre a cadeira. Abriu o zíper, retirou um livro de uma das divisórias, da mesa apanhou alguns maços de papel que cuidadosamente acomodou na pasta, recolocando, em seguida, o livro, de modo que não amassasse os papéis, fechou o zíper, levantou a pequena mala e posicionou a cadeira junto da mesa. Girou nos calcanhares, riu um sorriso de satisfação e abriu a porta do escritório, atravessou, fechou, uma, duas voltas. Saindo pelo corredor passou por Ester, Fábio e Elíade, da contabilidade, sorriu e balançou a cabeça para cada um, Ester não correspondeu. Virou para a direita no corredor, depois à esquerda, mais uma vez à esquerda, parou na frente do elevador. Cássio olhou desconfiado, não havia ninguém. Era o horário de saída, mas só ele estava ali, cotovelos deveriam estar lhe acertando na altura dos rins, um sorriso ou outro desferido para dizer que não doeu. Nada.

Cássio podia sentir as costas úmidas, a camisa grudava, as mãos suavam. Segurou a pasta de modo mais firme, o elevador demorava. Havia uma pressão em sua nuca, como se alguém há muito lhe observasse e julgasse, a pele quase queimava. Jogou os olhos por cima do ombro esquerdo, do direito, nada. Riu um riso bobo. O elevador não chegara, nem ninguém. Olhou o relógio, seis e onze. Ninguém, nada. Havia algo errado. Olhou para o vaso próximo da mão que segurava a pasta, ele estava ali ontem? Não conseguia lembrar. A luz parecia diferente, mais fraca, mais amarela. Mais uma vez jogou os olhos por cima do ombro esquerdo, então o direito. Riu um riso. Sentiu o coração bater forte. Abriu a pasta e pegou um pequeno frasco. Um, dois, três comprimidos, mastigou e engoliu. Olhou o relógio, seis e treze. Algo definitivamente estava errado.

Deu meia volta para a esquerda, caminhou alguns passos reticentes. Ninguém. As luzes piscaram. Nada bom. Novamente a sensação, havia alguém ali. Certamente alguém o observava, alguém estava perto, muito perto. A pasta pesou, passou-a para a outra mão e percebeu que não fechara o zíper. Fechou. As meias patinavam dentro dos sapatos, o colarinho estava encharcado. Cássio teve um pequeno calafrio. Desta vez se virou completamente para trás, avistou um vulto. Olhou-o diretamente apenas para vê-lo sumir diante dos olhos. Calma. Mantenha a calma. Repetiu o mantra por alguns segundos. Olhou para o relógio, seis e dezessete. Lá na frente, próximo de onde ficava sua sala pode ouvir alguns sons. Lembrou de Ester, Fábio e Elíade, os três passaram por ele e seguiram naquela direção. Nunca trocara qualquer palavra com qualquer um, mas a situação lhe impelia. Deu alguns passos vagarosos, virou a esquerda, depois a direita, já podia ver sua sala. Um, dois passos. Então tudo ficou escuro. No fim do corredor uma luz por baixo da porta, podia ouvir passos pesados vindos das escadas, ao lado do elevador. Suspirou nervosamente. Uma vez, duas, três, quatro... não eram suspiros, sua respiração estava acelerada. Sentiu uma leve tontura. Por que aquilo estava acontecendo? Ele só queria ir para casa, tomar um banho, jantar, assistir dois capítulos de sua série favorita, ler quinze páginas do livro da vez, arrumar as coisas para amanhã e dormir.

Ouviu uma porta abrir atrás de si, reconheceu o barulho como sendo a da escada. Passos apressados iam na sua direção. Breve pânico. Andou em direção ao final do corredor, para a porta com uma leve luz amarela, ouvia um burburinho agora. Entrou.

Na mesa um bolo de aniversário, nas cadeiras vários pares de olhos lhe olhavam. Entendeu tudo. Pediu desculpas e saiu. No corredor ainda conseguiu ouvir “Poxa, que chato, como ele descobriu?”, “Que cara chato, quem avisou da festa da Ester?”. Cássio sorriu um sorriso de alegria, um boicote, uma rejeição. A vida caminhava normalmente. Girou nos calcanhares e virou à direita, depois à esquerda e mais uma vez à esquerda. Viu um vulto. Sorriu um sorriso de deboche e o ultrapassou. Ouviu dois estalos e sentiu uma breve dor, primeiro nas costas, depois na nuca. Sentiu um líquido quente cobrir suas roupas. A visão nublou, a respiração falhava. Sorriu um sorriso de ironia e assim ficou, até Ester o encontrar. Ela não compartilhou o sorriso mais uma vez.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Construindo um líder


As planícies da região de Lisarb são famosas por três motivos: o maravilhoso vinho que enche garrafas, copos e cabeças por todo o reino de Learsi; por ser a maior e menos próspera área do reino, povoada por tribos bárbaras pouco afeitas a não bárbaros e outros bárbaros; por fim, e talvez o mais conhecido, o responsável pelo título de "área menos próspera", Otragal, o maior dragão verde que o reino já avistou. Evidentemente tudo isto é muito interessante, nunca foi motivo para falar mal de qualquer lisarbiano nas mais nobres regiões de Learsi, todavia nossa história é sobre um jovem guerreiro de uma dessas várias tribos bárbaras, de modo que vamos deixar um pouco de lado tais questões. Seu nome é Yur, filho de Aknalb e Arukas, pai e mãe amorosos, que buscaram sempre a melhor colocação dentro da vila para o filho. E isto nos traz ao momento no qual se passa este relato, uma noite antes do grande festival de Avlis, o deus da Força, onde o novo chefe será escolhido e casará com a primogênita do atual líder, bem como ao local onde ele se passa, a Floresta Verde, que todos sempre consideraram um nome bastante previsível.

***

A relva gelada era agradável, uma lembrança da infância, quando o pai o levava para conhecer os campos, os bosques e florestas onde, um dia, teria de buscar o sustento de sua família. Deitado olhando as copas invisíveis lá em cima, cuja existência era denunciada pelo burburinho da folhagem em movimento, ouvia o córrego de águas velozes e cristalinas que corria ao lado, um pomar, na margem oposta, completava a paisagem. Yur pensou que não seria uma coisa ruim passar a vida em um lugar desses, com sons assim, com árvores assim, com rios e pomares assim, com feras assim... e ele lembrou algo importante que sua mente, por algum motivo que lhe fugia no momento, deixara de se prender.

***

Arukas estava agitada, andava de um lado para outro no que podemos chamar de sala, dentro do que podemos chamar de tenda. O filho parecia descontente desde que seu pai, Aknalb, lhe contara que ele, Yur, seria um dos candidatos a chefe. Normalmente as mães se preocupam com os filhos e esta não era uma exceção, entretanto a situação possuía agravantes, como, por exemplo, a possibilidade dos candidatos lutarem entre si, ou que fossem todos derrotados por aquilo que deveriam caçar - e temos de lembrar que falamos de uma tribo bárbara, ser derrotado é um eufemismo para morte, mas que entre mães nunca sai da moda.

- Pai, a ideia foi sua, ele é tão doce, tão meigo, como pode querer que vença uma coisa horrorosa daquelas?
- Mulher, ele já tem 16 anos! – disse um defensivo Aknalb. - Já tem mais do que idade para caçar e entrar na floresta sozinho. Além do que já está na hora de arranjar uma mulher e casar, logo vão começar a dizer que Yur não gosta de moças, que só sabe pintar e escrever... não gosto nem de lembrar disso... escrever!! Quem ensinou essa besteira para o garoto? Sabe, mulher? – vociferou Aknalb com um olhar acusador.

A esposa de Aknalb permaneceu calada fingindo indignação. Tudo o que ela queria era que o filho fosse líder da tribo, mas sem precisar lutar e, apesar de mãe entendia a realidade, morrer no processo, já que o filho, realmente, só sabia escrever e pintar.

***

Os sons da batalha lá embaixo apavoravam Yur, que podia ouvir gritos, grunhidos e algo que parecia um gargarejo. Do alto da árvore em que subira há cerca de trinta minutos atrás, aguardava a certeza de que as feras fossem embora ou então o nascer do sol e a desistência das feras, o que acontecesse primeiro. A ausência de feras, porém, era ponto pacífico na discussão dentro de sua cabeça.

***

Aquela fora uma noite especial para Otragal, completara oitocentos e setenta e nove anos, porém com um ar jovial, ninguém lhe daria mais do que setecentos. Junto com seus doze filhos e alguns poucos amigos comemorou a data com um festim, coisa pequena. Na véspera sobrevoou um vilarejo e levou algumas vacas, alguns carneiros e umas poucas virgens. O dragão não era de se gabar, mas a festa foi qualquer coisa de muito boa. Seus parentes de escamas azuis saíram voando de cabeça para baixo e rindo de como esse mundo estava estranho, como a carne estava boa e como o velho Otragal era um dragão legal. Apesar de concordar com tudo o que os dragões azuis falavam ele se permitiu uma pequena trapaça, guardou uma das virgens para fazer um lanchinho depois da festa. Gostava de mastigar as ruivas por último, não gostava de comida que parecesse suja e ruivas não mudavam muito quando caia sangue das outras em seu cabelo, era um ótimo lanche antes de dormir. Já procurava a garota há alguns minutos quando deu por falta do pequeno Etnepres, o caçula. Ligou um sumiço com o outro, acrescentou o bom gosto do filho por ruivas – herdado do pai, lembrou com um sorriso pouco modesto –, adicionou conformismo e subtraiu o último carneiro do cercado.

***

Lá embaixo o silêncio convidava Yur a descer. Acontece que ele sempre considerou o silêncio traiçoeiro, alguém que não sabe brincar e costuma pregar peças desagradáveis. Preferiu testar a situação arremessando um pequeno ramo onde, há alguns minutos, algumas formas sombrias destroçavam outras formas sombrias. Nada, nenhum som. O que não era exatamente bom, pois um galho caindo no chão faz um barulho característico. Jogou outro. Nada. Foi então que se lembrou de um sonho de infância. O sonho em questão foi inventado naquele momento e consistia em sentir ainda mais dores nos braços e pernas até o sol nascer.

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Durante toda sua vida Anelim obedeceu a seu pai, sempre, nunca questionou. Quer dizer, só uma vez, ontem, quando saiu durante a noite para ver as estrelas. Ela olhava para uma especialmente brilhante, se perdeu em pensamentos admirando a beleza daquela bola de fogo distante milhões de anos luz ou, como ela dizia, A Grande Lantejoula Do Céu. O que aconteceu em seguida foi rápido e ela ficou um pouco confusa. Resumidamente é o seguinte: um dragão passou voando e sem pedir a levou embora. É isso.

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Os primeiros raios de sol já eram visíveis e nenhum dos caçadores havia voltado, toda a tribo estava aflita, em especial Anatik, a filha do chefe, pois casaria com o vencedor. Sua preocupação se justificava por alguns pormenores do regulamento para escolher o novo chefe, como, por exemplo, o fato de que todos os inscritos concorriam em igualdade, vencendo a disputa aquele que trouxesse a cabeça de um dos filhos de Otragal. Como em todo bom regulamento havia letras miúdas, que em uma sociedade que não utilizava a escrita como principal meio de registro, mas a fala, foram substituídas por sussurros através da ancestral técnica do Telefone Sem Fio. A técnica era tão ancestral que ninguém sabia o que significava o nome. Anatik, ao contrário de muitos dos competidores ouviu os sussurros, ouviu cada um deles com toda a atenção que tinha disponível, esse era o motivo de seu desespero.

***

Etnepres vivia o final da infância, seus noventa e sete anos começavam a pesar, ele sabia que atos como o de roubar o lanche noturno de seu pai logo teriam consequências mais sérias. Porém ainda era uma criança e “logo teriam” lhe parecia, ainda, o mesmo que nunca. Vagou a noite toda com a mulher entre as garras, volta e meia rasgando um pouco de roupa, o que gerava insultos e indignação por parte dela.

-Ei! Uma coisa é me sequestrar, outra é me deixar pelada no meio da floresta! Seu pai me levou voando por três horas com mais quatro garotas e sequer amassou meu vestido!
-Você fala demais para um lanche noturno, se humanos não perdessem a maciez tão rápido já a teria matado, sabe... – argumentou distraído o réptil.

***

Lá embaixo ainda reinavam as trevas, apesar de o silêncio ter dado trégua e cedido seu lugar a algo que parecia muito com roncos. Yur via o sol e sentia o calor, estava no alto de uma árvore, algo em torno de uns seis metros e percebeu que seja lá o que estivesse lá embaixo, a coisa podia vê-lo. O pensamento o fez tremer, o tremor o fez ficar apavorado, o pavor gerou um calafrio e o calafrio não gerou nada, não houve tempo, o jovem desmaiou antes de perceber que o pânico estava instalado. Antes mesmo de perceber que estava caindo.

***

O jovem dragão parou no meio da floresta, já estava longe o suficiente do covil do pai, ele não sentiria o cheiro ferroso que a jovem logo exalaria. Deitou-a no chão em uma posição confortável para mastigar as entranhas, prendeu as mãos e pés com o pouco que restou do vestido e com algumas estacas o tecido no chão. Anelim reclamou muito do comportamento abominável da fera e do frio. Quando Etnepres preparava a primeira mordida ouviu o primeiro urro. Eram nada mais do que cinco jovens armados com espadas e escudos correndo em sua direção. O infante dracônico picou incrédulo, piscou outra vez, já um pouco mais convencido e na terceira piscada já tinha certeza de que não era uma ilusão, mas, sim, cinco seres humanos loucos correndo em sua direção. Ele cravou as garras na garganta do mais barulhento, mordeu uma espada e a arrancou da mão de um chocado guerreiro, com a outra garra atravessou o escudo e o tórax de um terceiro. Os três sobreviventes entreolharam-se e decidiram correr em fuga. O caçula de Otragal cogitou deixa-los, mas em sua mente infantil de noventa e sete anos imaginou que eles poderiam contar para seu pai quem havia levado a mulher. Assim saltou por cima dos homens derretendo dois com sua baforada de gás ácido e esmagando o último com o peso do corpo. O homem golfou sangue, respirou sangue, fez um barulho estanho e morreu.
Ao voltar para onde havia deixado Anelim a surpreendeu tentando cortar os panos com uma espada caída ao lado. Ele riu, apesar de tudo achava os humanos engraçados. Resolveu brincar. Deitou ao lado dela e fingiu dormir. Ela se alegrou e passou a agir mais rápido, quando viu o olho aberto do dragão sorrir. O monstro soltou a garota e a fez segurar a espada embaixo de sua enorme cabeça. Olhos em seus olhos e a desafiou.

-Vou te dar uma chance. Enfie a espada em minha cabeça, vá. – disse o dragão, tentando não rir, pois sabia que ela nunca teria força para vencer suas escamas.
Ela apoiou  o cabo no chão, tentando buscar distância para impulsionar o golpe. O dragão abaixou a cabeça até encostar-se à lâmina, não queria surpresas. Ela chorava. Ele sentia fome. Houve um estalo vindo do alto.

***

O pânico era visível nos rostos de cada um dos habitantes da tribo, todos se amontoavam na entrada, esperando que um dos sete candidatos aparecesse. Uma das mais comovidas era Anatik. Ela tinha motivos para isso, sabia dos sussurros, sabia que se nenhum dos guerreiros conseguisse matar a fera, venceria aquele que sobrevivesse. Não tinha qualquer problema em casar com qualquer um daqueles que entrou na floresta, apesar de achar Yur um tanto afeminado, o que a atormentava era Onak.
Onak era um garoto pacato, diagnosticado como “inútil, inconveniente e covarde” aos dois meses de vida. Até hoje não parecia haver qualquer engano. Para a infelicidade da filha do chefe, Onak havia esquecido o teste e foi dormir em casa, onde estava até cinco minutos atrás, quando saiu para espanto de todos – e horror de alguns.

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Ao acordar Yur viu sobre ele uma jovem ruiva e nua que tentava reanima-lo. Ele nunca vira uma mulher nua, bom, não uma que não estivesse o xingando e jogando coisas. Sentia raiva por seus olhos estarem um tanto desfocados, ela parecia linda. Não, ela era definitivamente linda, estava apaixonado, não poderia seguir sua vida sem aquela mulher linda, ruiva e nua ao seu lado.

-Você está bem? Ei! Consegue me ouvir? Tira a mão dai! – gritou ao dar dois tapas, um na mão e outro na cara do rapaz.
-Ah, desculpe, ainda estou um pouco confuso... – disfarçou sem convencer.

Levantou, tirou a poeira da tanga e das botas de couro, olhou para o lado e viu algo quase tão surpreendente quanto a jovem que ele amava mais do que tudo.

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A coroação estava começando, Onak caminhava majestoso para o altar, suas botas de couro brilhavam, seu manto de peles parecia vivo, a sunga emitia um grunhido do mais puro couro de gazela albina, uma tanga digna do chefe da tribo. Anatik chorava.

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-É tipo uma competição, quem matar um filhote de Otragal e levar a cabeça vira chefe da tribo, entendeu? – disse um desapontado Yur.
-Sim, é bastante simples, na verdade. – disse uma Anelim vestida com escamas de dragão.
-Foi um golpe certeiro, não acha? Muita sorte sua eu estar lá naquela hora, a espada atravessou a cabeça sem problemas, aquele maldito morreu sem saber o que aconteceu. A besta teve o que mereceu! – tentou dizer esta última frase com uma entonação heroica, mas acabou tropeçando e quase derrubou a cabeça do dragão e a garota.
-Verdade, muito obrigada. Ele morreu por brincar comigo, aquele dragão desprezível. Uma coisa que não entendi ainda, o que você fazia lá em cima o tempo todo? Por que não atacou antes?
-Estratégia, pura estratégia... Veja, Anelim, é ali! Chegamos... Onde estão as pessoas...? Parece uma coroação! Não acredito que conseguiram matar outro daqueles monstrengos!

Eles correram, cada um apoiando a cabeça do monstro por um lado, já que nenhum deles conseguia sozinho. Entraram pelo portal e seguiram até o centro, onde Onak estava sentado em um trono, com Anatik ao lado. Ela chorava. Um xamã entoava cantos e dançava, girando e abençoando a coragem e bravura do novo líder. Foi em um destes giros que avistou um casal de jovens com uma cabeça de dragão nas mãos. Anatik parou de chorar.

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Aquela era uma situação difícil de resolver. Onak dizia que Yur estava fora do prazo, Anatik rebatia que não havia prazo algum, nem mesmo nos sussurros, os sábios da tribo argumentavam que os dois jovens haviam matado o dragão e carregado a cabeça, então ambos deveriam se casar com a filha do chefe. Anelim era taxativa,  não casaria com a filha de ninguém, Yur argumentava que só casaria com Anatik se Anelim casasse com ele também. Aknalb gritava para todos que seu filho era o mais corajoso homem da tribo, enquanto Arukas reconhecia na roupa de escamas de dragão a costura que havia ensinado para o filho, estava orgulhosa de sua mão firme.
Por fim o chefe da tribo, pai da filha prometida ao guerreiro vencedor, se pronunciou.

-É um caso raro, algo que nunca ocorreu! Situações inesperadas exigem medidas inesperadas! O conselho de anciões decidiu que só um deles pode casar com minha filha.

Protestos por parte de alguns, Anatik não sabia se era algo bom ou ruim, Onak esperneava sem parar. Yur e Anelim se olharam respectivamente com amor e dúvida.

-Assim – continuou o líder da tribo –, os dois jovens devem voltar para a floresta, onde irão lutar até a morte. O vencedor deve trazer a cabeça do outro. Não, digo, a cabeça do dragão! Quer dizer, apenas volte, a cabeça já está aqui.

Anatik estava feliz e sorridente, Onak chorava, Arukas e Aknalb sorriam sem saber o que dizer ou pensar, Yur estava de joelhos inconsolável, Anelim sorria confiante.

Os dois foram levados para a orla da Floresta Verde.

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-Jamais conseguiria te matar, eu me rendo.
-Sei que não conseguiria, mas mesmo assim acho que podemos entrar em um acordo, Yur. Que tal se simplesmente fugíssemos?

Ele não acreditava no que ouvia, a mulher que mais amava no mundo, a futura mãe de seus dez filhos, uma deusa lhe convidava para fugir com ela.

-Sim. – disse com um fio de voz.
-Ótimo, vamos.

Eles caminharam até a margem de um córrego de águas rápidas, havia um pomar do outro lado.

-Eu poderia viver aqui. – disse Anelim.

É o destino, é o amor, somos nós, pensou Yur, em sua cafonice adolescente.

***

Após dois dias Yur e Anelim foram dados como mortos e o guerreiro mais bem colocado na prova anterior casou com Anatik. Seu choro contrastava com o sorriso de Anok.