quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O pior dos crimes



Errado, imoral, totalmente inaceitável. Por onde passava despertava revolta, gritavam “vergonha”, “grotesco”, “traidor”, ele não ligava, continuava andando com um sorriso de escárnio. A esposa o abandonou, os filhos levados para morar com os avós, vizinhos o amaldiçoavam em voz alta. Entretanto ninguém o tocava, não era permitido, não era prudente. Na porta de sua casa, em grandes letras vermelhas, podia se ler: Assassino.


***
A manhã se anunciava, o sol iluminava o peito branco e musculoso de Péricles enquanto este o amaldiçoava aos berros. Olhou para o lado e empurrou a esposa, foi até as crianças e mandou que levantassem para comer, saiu do lugar que chamava de casa e decidiu andar um pouco. A vida na granja não estava fácil, não tinha emprego, não tinha dinheiro, mas era o marido de uma vagabunda e pai de quatro aberrações que só faziam comer. Odiava. Odiava a família, odiava os amigos, odiava a si, a única coisa que amava era, justamente, odiar tudo isso. Sentia um prazer crescente ao imaginar como causaria sofrimento sem fim em cada uma daquelas criaturas desprezíveis. A falta de respostas o incomodava um pouco. Xingou um vizinho que o cumprimentava e seguiu o caminho, procurando formas de exercer uma vingança contra quem cometera o crime de nascer, ou seja, de lhe perturbar. Irritado chutou o chão, não podia fazer nada, estava pobre como nunca, sem um centavo. Já pensava em voltar para casa quando viu um papel no chão. Curioso pegou e leu. Seus olhos se arregalaram e um sorriso de alegria emergiu, achara uma solução, dinheiro não seria mais problema. Dinheiro? Faria de graça!


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Olhava o corpo, pegava a faca e passava o fio nas juntas, cortava, desmembrava, tirava a pele. Além de cruel o trabalho era metódico, separava as partes, coxas para um lado, pés para o outro, pescoço, peito, fígado, coração, nada escapava da faca. Péricles tinha um dom, poucos demonstravam tanto prazer em seu ofício, tanta desenvoltura, parecia ter nascido para aquilo e, caso alguém lhe perguntasse, provavelmente concordaria.


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Segurou bem o papel e voltou correndo para casa, driblou a prole ranhenta, evitou as reclamações do cônjuge colocando a língua para fora. Parou. Olhou tudo aquilo calmamente, demoradamente, sorriu de uma forma tão enlouquecida que mãe e filhos fizeram silêncio, com medo de algo que não sabiam bem o que era. Ele riu, depois riu mais alto, gargalhou e saiu da casa.
Na rua encontrou o vizinho de cima, que queria cobrar uma pequena dívida. Tentou ignora-lo, mas o sujeito se postou a sua frente impedindo a passagem. Péricles o olhava com olhos esbugalhados, vidrados, a respiração era animalesca. Se lhe perguntassem hoje, o vizinho não saberia dizer o motivo pelo qual deu um chute no estômago do dono daqueles olhos esbugalhados, entretanto naquele momento pareceu a coisa certa a fazer. No chão, espumando de raiva, prazer e felicidade, rindo, gritando para tudo e todos, se deixou. Olhou o céu azul, ele iria tingir tudo de vermelho.


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Quando estava na hora do almoço gostava de ir ajudar no preparo, sua parte favorita era olha-los e dizer que iria ficar tudo bem, mas usando a roupa de trabalho suja de sangue. Depois amarrava os pés e os pendurava em ganchos. Nesta parte sempre tinha de abafar a gargalhada, era quando percebiam o que ia acontecer, porém já era tarde, a cabeça doía por causa do sangue, os pensamentos ficavam lentos, os sons abafados... enxergavam apenas Péricles, rindo e apontando para cada um deles.


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 Correu até chegar à porta do lugar indicado no panfleto, uma casa de tijolos, pintada algumas décadas atrás com o que parecia ser verde, ou talvez azul. Atravessou a porta e andou pelo corredor, sentia o cheiro de sangue velho, avistou um homem gordo, vestindo calças jeans e camisa xadrez, sentado, largou o papel na mesa e olhou-o fixamente. Havia um corpo e uma faca sobre a mesa. O homem gordo parou o que estava fazendo e o encarou, analisando aquele sujeitinho que entrara em sua sala de cima a baixo, tentava entender. Péricles pegou a faca e esquartejou o corpo, separou os órgãos, tudo com enorme rapidez e alegria.
O homem atrás da mesa disse "Sabe, isso ai não parece certo...", sem ao menos terminar a frase, um par de olhos lhe encarava com um fogo como nunca havia visto. O dono da faca e do corpo ficou admirado, deixou suas desconfianças de lado.


***
Esta era a hora que ele menos gostava, o fim do turno, o momento de ir embora. Tirou a roupa, limpou e guardou as facas, seguiu em direção à saída. Olhou para o chão árido que se estendia até a casa onde, há pouco tempo, morava com uma família de vergonhosos desperdícios. Sentiu uma pequena tristeza, entretanto sabia que amanhã tudo recomeçaria, o sangue, a dor, o ódio no olhar de cada um, pois sabiam que quando menos esperassem poderia ser um deles. Não pode evitar a gargalhada. Ao passar pela porta do frigorífico ajeitou as penas do peito e a crista, ele realmente amava aquele trabalho.

Um comentário:

  1. Muito bom, gostei da maneira que descreve o psicológico desse psicopata, essa adoração por facas e fatiar me lembra Zsasz, mas acho que esse nunca cortou frango rs.
    Realmente gostei, mas acho que iria preferir ler uma versão pouco maior e um pouco mais detalhada, sim seria um conto grande, porém você escreve bem, se souber ser sintático e ao mesmo tempo dizer muito com pequenas orações vai longe. No quarto parágravo, você usa esbugalhados e vidrados para descrever os olhos do eu lírico, eu retiraria o primeiro esbugalhado, pois você repete rapidamente essa informação, apenas uma questão estética mesmo que deixaria mais limpo, claro IMO.

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